quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A COMUM HISTÓRIA DE ANA


Ana caminha lentamente pelos becos da pequena comunidade onde mora. Ela observa assustada as trilhas de sangue que sujam o chão conduzindo até um terreno baldio onde na noite anterior um homem foi brutalmente executado. O sonho de Ana é sair daquele lugar, mas seu marido não tem condições de levá-la a um lugar decente, ele é um simples carpinteiro! Seu pequeno filho está na escola, mas ela teme não mais contemplar o olhar daquele garotinho, cansado de tanto correr para chegar em casa, alimentar-se e brincar como toda criança normal. Ela olha para o céu e pede a Deus proteção, e este gesto se repete todos os dias, pois viver naquele lugar é lutar contra as esperanças. Ela olha com pesar as demais pessoas que solicitam a ajuda do traficante local para pagar suas contas, ela sabe que tudo têm seu preço e que mais tarde ele pediria algo em troca. O almoço já estava quase pronto, arroz, feijão, ovo frito e farinha. Isto é uma iguaria para aquela família que aprecia este prato somente quando o marido recebe o pagamento.

- A benção mãe- disse o garoto com uma respiração ofegante!
- Deus te abençoe filho! O que é isso no seu joelho?
- Não é nada, só caí.

Ana não se convenceu. Revirou a mochila do garoto e encontrou uma carta da direção da escola solicitando sua presença no dia seguinte para conversarem a respeito da postura do seu filho!
- O que você aprontou Edu?
- Nada não mãe. Foi só uma briguinha!

Ela se irritou com o garoto, agarrou-o pela a camisa e o conduziu pelo beco. Segurando a gola de sua camisa, forçou sua cabeça para baixo e o garoto olhava assustado a trilha de sangue.
- Tá vendo isso? Isso é o resultado da violência que nos rodeia! É esse o futuro que você quer? Deseja terminar assim?
- Não mãe, por favor, me solta!
- Continue olhando Eduardo. Veja o resultado de quem vive em prol da violência.
Eduardo chorava aos berros enquanto os vizinhos se reuniam em volta deles, cochichando e rindo da atitude daquela pobre mãe que só queria defender a sua família. Acostumada com as atitudes dos vizinhos ela disse aos berros:
- Vocês estão rindo porque já perderam as esperanças. Grande parte das pessoas que estão aqui têm filhos escravos do tráfico de drogas. Mas saibam que enquanto eu estiver viva eu lutarei com todas as minhas forças para impedir o meu filho de entrar nessa vida. Meu marido é um homem honesto, trabalhador e mesmo recebendo tão pouco, dedica-se exclusivamente à nossa família. E um dia nós sairemos daqui de cabeça erguida porque não dependemos de traficantes, da polícia ou de políticos.

Ainda agarrando o garoto pela a gola da camisa, o arrastou até sua casa e deu-lhe uma surra que se podia ouvir o choro do garoto no lado de fora.
Horas depois, seu marido chegou do trabalho. Cansado, sujo, e sempre com aquele velho uniforme de uma empresa de construção civil, onde trabalhava há mais de três anos. Ele soube da atitude do pequeno Eduardo e deu-lhe outra surra. No dia seguinte, Ana foi até a escola, a diretora a recebeu em sua sala ofereceu uma água e um café, mas Ana queria chegar logo ao assunto:
- Então, o que você tem a dizer a respeito do meu filho?
- Na verdade eu queria te alertar, o Eduardo anda muito violento. Ontem ele chutou a carteira porque a professora o pediu para fazer silencio enquanto explicava a matéria, e no final da aula ele surrou um garoto que esbarrou sem querer em seu braço na hora de sair da escola. Eu já tentei impedir os alunos de saírem correndo, mas sozinha eu não consigo.
- E como está o menino que o Eduardo bateu?
- Ele está bem, ele sofreu apenas algumas escoriações e um sangramento no nariz. O que me preocupa é que esse garoto é filho de um traficante e o pai dele prometeu vir à escola e acabar com seu filho e se alguém tentar impedi-lo, também sofrerá as conseqüências.

Ana desabou em lágrimas.
- Não se preocupe Ana, já acionamos a polícia e eles estão para chegar!
- E você ainda confia na polícia? Se essa escola fosse na zona sul eu até concordaria com sua ingenuidade, mas todos os dias você presencia a incompetência com que os policiais tratam estes assuntos.

Constrangida a diretora prosseguiu:
- Você não tem outra saída. Transfira o seu filho para outra escola e se mude deste local.
- Mas eu soube que o traficante da minha comunidade é inimigo dos outros e lá eles não entram.
- E você confia em traficantes? Você acredita que eles colocarão suas próprias vidas em jogo por causa do seu filho?

A diretora se sentiu novamente em vantagem, agora Ana estava constrangida e ao mesmo tempo pensativa.
- Mas as outras escolas ficam tão longe da minha casa e eu não tenho condições de pagar um escolar.
- Sinto muito Ana, mas eu fiz o que pude.
- Entendo! De qualquer forma me desculpe por tudo.
- Tudo bem! Vá com Deus!

Ana saiu da escola desnorteada. O pai do garoto que Edu espancou, poderia estar escondido em qualquer lugar, ou mesmo ter mandado alguém para completar o “serviço”. Novamente pediu a Deus proteção, agarrou a mão do pequeno Edu e saiu às pressas em direção a sua casa. Passaram o dia inteiro trancafiados até a chegada do marido que soube de todos os detalhes e não conseguiu conter sua preocupação.
- Precisamos sair daqui- Disse o Homem.
- Mas para onde vamos?
- Não sei, mas vou procurar amanhã bem cedo! E quanto a você garoto, um dia vai me pagar bem caro por tudo isso.

Edu então leva outra surra.
Ana era uma mulher forte! Carregava em suas costas o fardo do descaso por parte do poder publico, enfrentava a fome e combatia a vida do crime que pairava sobre o pequeno Edu de apenas oito anos de idade. Mas ela viu sua força desabar na hora em que esperava o marido voltar do trabalho e alguém bateu em sua porta:
- Ana... Ana...- gritava desesperada uma vizinha- Ana...
- O que foi mulher?
- Seu marido... está sendo agredido lá embaixo.
- Agredido por quem?
- Pela polícia.

Ana desceu correndo os becos para ver do que se tratava a tal agressão e não conteve as emoções quando deparou-se com o marido algemado e rosto ensangüentado.

- O que aconteceu? Perguntou ao policial.
- Procedimento de rotina minha senhora, seu marido resistiu nossa abordagem e desacatou um oficial.
- Moço, meu marido é um homem de bem! Ele trabalhou o dia inteiro.
- Isso ele vai ter que explicar na delegacia, agora sai da frente que estamos no meio de uma operação.
Nada mais restava àquela mulher do que chorar. Estava ficando debilitada, sem forças para agüentar tantos problemas. A viatura acabara de levar seu marido que cometeu um crime gravíssimo e que no Brasil é considerado hediondo - ser honesto. Na delegacia, ele foi ouvido e liberado. Mas com o rosto inchado, o homem também não resistiu e desabou em lágrimas.
- Eu não desacatei ninguém. Eles me pediram para ser revistado e eu aceitei numa boa. Então eles me perguntaram sobre o traficante e eu disse que não sabia nada a respeito então eles começaram a gritar comigo e dizer que eu o estava escondendo.
Ana estava paralisada com tal situação. Todos os traficantes que viveram naquela comunidade, cometeram assassinatos terríveis, mas a polícia é paga para proteger os cidadãos, não para espancá-los. Neste momento, Ana se sentiu sem chão, indefesa, sozinha e sem ninguém com quem contar. Quando chegou em casa, soube que toda aquela operação da polícia terminou em propina. A polícia subiu o morro disposta a estourar qualquer crânio que ousasse interpor-se, e desceu com os fuzis abaixados e vários malotes de dinheiro.
- Bando de canalhas! Gritou Ana expressando sua revolta.
Um policial voltou e exigiu que a mulher se desculpasse e deu-lhe um tapa em sua face. O Marido assistiu a cena e mesmo machucado levantou-se e partiu aos socos para cima do policial que respondeu com um tiro em seu peito. O marido de Ana caiu morto instantaneamente no chão. A bala perfurara o coração cansado daquele homem honesto que só quis dar uma vida melhor para a sua família. O policial guardou a arma do crime. Ele não utilizou sua própria arma e sim uma arma que havia apreendido de um marginal que tinha sua numeração raspada, impossibilitando sua identificação. O comandante da operação entrou na casa da mulher e exigiu silencio absoluto, caso dissesse algo, eles teriam provas suficientes de que o homem agrediu um oficial e ela o ajudou. Ana não prestou queixas, mas de que adiantaria? Ela era só uma mulher pobre, indefesa e com um pequeno garoto que acompanha toda aquela cena com lágrimas nos olhos e em estado de choque.

Desde então, Ana não olhava mais para o céu para pedir a Deus proteção e sim para pedir a morte. Sua morte, a morte do pequeno Edu para que não padecesse solitário nesse mundo, a morte dos policiais, dos políticos e de todos os traficantes de drogas. Agora, passado três meses do desastre, Ana se mudou para a casa da irmã em outra cidade e arranjou um emprego de empregada domestica enquanto Edu assistia às aulas em sua nova escola e têm alcançado notas excelentes! Mas a cena da morte de seu pai ainda é vívida em sua mente e ainda está se tratando de suas tendências violentas.