quinta-feira, 21 de julho de 2011

Um mendigo no pináculo da vida

Um certo mendigo caminhava bêbado e cambaleando pelas ruas procurando um bom lugar para dormir. De repente ele avista uma linda casa com uma placa iluminada com letreiros em néon e um alto-falante que berrava com uma voz feminina:
“Venham este é o grande abrigo para mendigos, aqui você entra miserável e sai rico.”
O homem decidiu entrar e deparou-se com uma linda recepcionista que o atendeu com um belo sorriso nos lábios. Antes que ele dissesse alguma palavra, ela se levantou e o abraçou e ele pôde sentir o delicioso perfume que exalava da pele daquela mulher. Ele não entendeu absolutamente nada, mas ela logo pegou uns papéis grampeados e o pediu para assinar aquele contrato.
- Mas... mas... Eu não sei ler nem escrever – disse o mendigo- como poderei saber do que se trata? Como poderei seguir as condições para honrar as cláusulas deste contrato?
- Não precisa- disse a linda recepcionista- Eu posso explicar do que se trata, e mais, se você não puder assiná-lo é só colocar seu dedo polegar nessa esponja umedecida com tinta e em seguida colocá-lo no papel que sua impressão digital o autenticará. Entretanto aqui diz que a partir de hoje sua alma pertence ao diabo e que toda e qualquer forma de compaixão, amor ou algo que o aproxime de Deus não mais fará parte da sua vida. Em troca você terá muito dinheiro, fama, saúde e mulheres.
O mendigo ficou perplexo e pôs-se a pensar:
Pensou na possibilidade de ajudar as pessoas que sofriam como ele.
- Mas a caridade é dom divino eu não posso ser caridoso.
Em seguida pensou nos jantares nos melhores restaurantes, lembrou-se daquele gerente que o expulsou por ter ido àquele belo restaurante pedir comida.
- É isso... Vingança! Isso eu posso e como é bom o seu sabor.
Pensou nas mais belas mulheres nuas em sua cama realizando todas as suas fantasias.
- Luxúria! Isso é muito bom.
Ele também lembrou que o seu dinheiro poderia abafar todos os escândalos que pudesse cometer e todas as pessoas que poderia comprar para estar ao seu lado.
- Nunca mais serei julgado. Seria ótimo ser impune.
Então ele autenticou o contrato. A bela recepcionista o encaminhou a uma das suítes de luxo e lá estavam à sua espera, cabeleireiros, massagistas, e todas as pessoas que poderiam mudar sua aparência e cuidar de seu corpo. Cortou o cabelo, fez a barba, alimentou-se bastante, bebeu muito vinho, passou por uma sessão de hidromassagem e em seguida dormiu.
Quando acordou, percebeu que já não estava mais naquele abrigo e sim em uma linda mansão. Ao sair do quarto deparou-se com um mordomo que o apresentou a todos os empregados. Tomou seu café da manhã e decidiu sair para tomar um ar. Ele nem fez questão de questionar o motivo de aparecer repentinamente naquele lugar, apenas queria sair um pouco. Na porta de sua mansão estava um homem vestido de preto que tinha um rosto muito pálido, porém com um formato muito diferente de todos os rostos que já tinha visto e seus olhos eram vermelhos como sangue, porém muito penetrante, parecia que o olhava por dentro. Este homem de preto o desejou um bom dia!
- Bom dia! Respondeu o mendigo. Em que eu posso te ajudar?
O homem sorriu sarcasticamente.
- Você não pode me ajudar, sou eu quem o está ajudando.
-Mas quem é o senhor?
- Disseste bem. Eu sou o seu senhor! Sou o diabo, mas pode me chamar de Lúcifer. Prefiro que me chamem desta forma.
- Mas se realmente foi o senhor quem me ajudou. Por que está do lado de fora da minha casa e não me dando ordens ou dando ordens aos meus empregados?
- Porque a casa é sua! Eu não posso interferir no percurso natural do seu mundo. A não ser que me dêem legalidade para fazê-lo.
- É claro que o senhor tem essa legalidade, fique a vontade. Sou muito grato por mudar minha vida.
- Tudo bem. Mas para que essa legalidade ser confirmada, eu preciso de um corpo, pois não sou um ser carnal como você, eu sou espiritual. Permita-me possuí-lo?
- Que seja feita a sua vontade.
Então Lúcifer possuiu aquele homem. Sentindo certa sensação de choque na cabeça, ele pôde perceber que todos os seus sentidos e raciocínio agora pertenciam àquela entidade. Ele já não via o céu azul, o céu agora era escuro, acinzentado. Não podia contemplar os belos corpos das mulheres, agora ele as via como carnes em estado de putrefação. Percebeu que repentinamente aprendeu a ler e a escrever, muito mais que isso, dominava todas as fórmulas matemáticas existentes. Descobriu que possuía conhecimentos avançados de astrologia, astronomia, física quântica e filosofia. Sentiu-se o maior cientista de todos os tempos. Mas na sua cabeça impregnava-se apenas um motivo para tanto conhecimento. O extermínio do ser humano. Já não tinha mais sensibilidade, muito menos compaixão. Certa vez cuspiu em uma criança que lhe pediu uns trocados, ela vivia da mesma forma que ele quando mendigava todos os dias nas ruas da metrópole. Aquele homem já não era mais um mendigo. Agora era conhecido como Dr. Charles. Estava sempre “chapado” de bebidas e drogas. E sempre insistia em pensar que todos os que aproximavam dele só estavam interessados em sua fortuna e que o mundo inteiro o odiava. Charles lembrou-se da liberdade de reciprocidade que lhe era permitido.
Um dia seu corpo reagiu à falta de sexo. E então decidiu procurar algumas acompanhantes de luxo. O diabo abandonou sua mente por alguns tempos e então sentiu-se livre para escolher as mais belas mulheres. Ele levou duas lindas modelos para a sua cama, mas o diabo novamente o possuiu e ele já não as via mais como mulheres e sim como seres horripilantes e fedorentos. Pulou da sua cama e pôs-se a chorar como uma criança. Mas de repente sobreveio-lhe uma lembrança. Lembrou-se de que ainda estava vivo e que poderia cancelar aquele contrato mesmo pagando sua multa a vida inteira. Ele chamou seu chofer e pediu que o conduzisse ao local onde tudo havia começado. Quando chegou, percebeu que aquele lugar não mais existia, a única coisa que estava era uma pobre casa que tinha um telão em sua fachada onde passava cenas de toda a sua vida. Ele viu sua infância, o amor que recebera dos seus pais, a morte de ambos. Viu o desprezo por parte dos seus parentes que o abandonara internando-o no orfanato onde passou toda a sua infância. Lembrou-se daquela espelunca e das mulheres que o espancavam até que não mais agüentou e fugiu em busca de uma família. Mas a solidão e o descaso o perseguiam. Enfim, ele cresceu nas ruas sobrevivendo ao ódio, à rejeição e a fome. Sua situação financeira havia mudado totalmente, agora era um homem culto, de boa aparência e conhecido em vários lugares. Mas sua vida perdera totalmente o sentido. Não podia mais enxergar as coisas e as pessoas em sua beleza, só conseguia ver as podridões e o caos. Estava impossibilitado de amar e estender as mãos para ajudar seja La quem for. Olhava as estrelas e não contemplava os inúmeros brilhos, apenas infinitos números e infinitas possibilidades de descobertas espaciais. Tudo era vazio e irrelevante.
Certa vez decidiu olhar-se no espelho e viu a imagem de um suicida. Por um breve momento ele culpou as pílulas pelas alucinações, mas era tudo tão real que sua mente por mais construtiva não poderia reproduzir tais sensações com tanta realidade. Cansado de tudo isto, sentindo-se sem saída e instintivamente saiu-lhe gritou bem alto de sua boca:
- Jesus Cristo... por favor me salve!
Satã logo saiu de sua mente e penetrou-lhe um olhar profundamente raivoso. Ele não o tocou, pois havia um círculo de luz que protegia aquele homem. Mas satã tentava a todo o custo agarrar o seu pescoço. Durante aquela batalha, o homem foi se afastando da calçada, não prestou atenção no transito e um caminhão o atropelou. Agora estava morto.
Quando acordou, percebeu que estava em um lugar muito belo. Pessoas cantavam, crianças brincavam e a luz e a sensação de paz eram constantes. Uma voz o chamou pelo o nome. Eram seus pais e Jesus que o abraçaram e desejaram-lhe boas vindas. Em lágrimas Charles disse:
-Eu não mereço estar aqui. Eu vendi minha alma ao diabo e fiz coisas terríveis.
- Você não está aqui porque merece filho- disse Jesus- aliás, ninguém está aqui pelos seus próprios méritos. O céu só pode ser habitado por pessoas humildes que reconhecem que a minha graça já basta.
- O que é a sua graça?
- Amar incondicionalmente a todos os mortais mesmo sabendo que fui traído e trocado por aquele que se diz meu inimigo.
- Você fala a respeito de Lúcifer?
- Não. Lúcifer já deixou de existir a muito tempo. Seu nome é Satanás. Ele já não é mais o portador da luz. Eu sou a Luz do mundo e quem comigo anda não mais andará em trevas. A iluminação proporcionada por satã é muito superficial. É comparada como a luz de uma vela em meio a uma tempestade. O primeiro vento e as primeiras gotas de água são capazes de apagá-la e nada, absolutamente, tornará a acendê-la. A minha luz nasce no coração e projeta-se no olhar, transmitindo a pureza.
- Eu sempre ouvi dizer que para chegar ao céu seria necessário ser caridoso, perdoar as pessoas, amar os inimigos, e ir todos os domingos às missas. Mas eu nunca não fui assim, pelo contrário, eu fui considerado a vida toda uma pedra de tropeço para a sociedade, não rezava, pois imaginava que você estava sempre ocupado com outras coisas e que não se importava com minha condição nem mesmo daqueles que viviam como eu. Eu tinha muito ódio guardado no meu coração e só pensava em mim mesmo. Eu queria ser rico e devolver a todos as afrontas que recebi em minha vida inteira. Por isso que aceitei assinar aquele contrato e permiti que Luci... Quer dizer, que Satã possuísse minha alma.
- Eu sei de tudo isso filho! Você não é o único a pensar desta forma. Não precisa mais se culpar pelos seus erros, eles estão perdoados. Mesmo conquistando tudo o que sempre sonhou, não hesitou em reconhecer que somente eu posso ser seu amigo e somente eu posso te livrar do mal. Lembra-se que clamou pelo meu nome antes de morrer?
- Lembro.
- No ultimo instante você se lembrou de mim e isto me alegrou bastante. Mesmo se referindo ao diabo como “senhor” e a mim como “você”.
- Perdoe-me Senhor!
- Não se preocupe filho, formalidades não me convencem. Eu posso ver tudo o que está em seu coração. E vejo sinceridade. Muita sinceridade! Venha, quero te mostrar algo.
Jesus o segurou pela a mão e o levou à beira de um abismo que se encontrava do lado de fora do paraíso. Os portões celestiais se abriram e Charles pôde avistar o inferno. Era um lugar escuro, vazio de tudo, onde se podia ouvir gritos, xingamentos e lamentações de todos os tipos.
- Eu pensei que o inferno fosse um lugar quente. Sempre me disseram que havia muito fogo e que jamais se apagava.
- Você quase acertou. Existe sim um imenso fogo neste lugar, mas não é o fogo que você conhece. O fogo que você conhece queima, mas também aquece. O fogo que você conhece destrói, mas também é utilizado para construir. O fogo que você conhece não serve apenas para provocar a dor, serve também para cozinhar deliciosos alimentos que satisfaz e fortalece o corpo. Como eu poderia utilizar algo rico em benefícios como instrumento de punição? O fogo que existe aqui é um fogo diferente, consumidor da alegria, da paz, da esperança e da visibilidade da luz externa e interna. Este lugar não foi criado para as pessoas, na casa do meu pai existem muitas moradas, isto foi criado para o diabo e seus demônios. Venha e veja mais de perto.
A luz de Jesus iluminou todo o inferno e Charles pôde ver as pessoas e percebeu que já não eram mais pessoas e sim criaturas horrendas. Ele olhou para Jesus e percebeu que Ele estava chorando muito.
- Filho, este é o resultado do fascínio pelo dinheiro, pela a glória do mundo e pela a necessidade do valor absurdo da aceitação humana. Estas pessoas se esqueceram de mim, ou não fizeram questão de lembrar que eu existo e vislumbraram-se de tal modo com suas próprias concupiscências que seus semelhantes foram vistos apenas como meros números. Abandonaram tudo de bom que acreditavam e prostituiram com suas próprias paixões. Alguns até sabiam do meu imenso amor, mas utilizaram-se do Meu nome para o comércio da fé e exploraram as almas humildes e aflitas. Pensaram que foram criados para usufruir de tudo que seus corpos o proporcionavam. Eu fui o novo Adão, mudei o curso da humanidade, mas a nova árvore do conhecimento do bem e do mal também surgiu e ela já não estava no meio do jardim e sim nos corações das pessoas. Eles provaram e aprovaram o gosto de se sentirem deuses, donos de seus próprios interesses, queriam sempre mais e mais e não se importavam com os que necessitavam deles. Agora eles se endiabraram e passarão a eternidade nesta crise existencial.
Jesus enxugou as suas lágrimas, olhou para Charles e abriu um belo sorriso dizendo:
-Venha bendito do meu Pai, para o reino que lhe foi preparado desde a fundação do mundo.
Jesus virou as costas para o inferno e Charles viu a Sua luz pouco a pouco desaparecendo e as sombras novamente encobrindo aquele lugar que voltava ao seu estado tenebroso. Em momento algum, Jesus soltou a sua mão e assim adentraram novamente os portões celestiais e nunca mais Charles se lembrou de seus erros, pois percebeu quão grande é o poder regenerativo do perdão e da capacidade de recuperação do ser humano.