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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
VENCENDO A DEFICIÊNCIA DA ALMA
O velho Mark estava sentado em sua poltrona, na sua antiga residência nas regiões do Texas. Ele havia sido ex-combatente da força de fuzileiros navais americana durante a segunda guerra mundial. Seu trabalho ajudou a proporcionar o destronamento de Adolf Hitler e à queda do Dragão Vermelho (A antiga União Européia). Mas ele estava velho, cansado e para piorar ainda mais seu pesadelo, ele perdera uma perna durante a guerra, devido um tiro de uma metralhadora M4 que atingiu em cheio uma artéria na qual impossibilitou a circulação do sangue e comprometeu completamente a sua perna esquerda. Os EUA recuperaram sua economia e estabeleceram-se como a super-potência mundial e tudo o que Mark recebera de gratidão foi uma mísera aposentadoria e mais uma dúzia de medalhas. Mas isto já lhe não fazia tanto mal, pois já se acostumara com sua “condição de aleijado” como ele mesmo se auto-declarava. Casou-se assim que voltou da guerra com a bela Christine - que falecera há dois anos por causa de um câncer intestinal, mas ainda assim, conseguiu criar três filhos, sendo o mais velho um homem influente na cidade por gozar de sua posição de escrivão, enquanto a filha se casou com um fazendeiro, que sempre abusou de sua bondade e fragilidade, esfregando-lhe na face seus casos extraconjugais com algumas moças da região. Isto sem contar, a covardia com que lhe agredia fisicamente. Mark sabia de tudo isto e preferia não contar para o filho mais moço que estava na Universidade, pois ele poderia voltar e cometer algum ato grave contra o cunhado e isto resultaria no fim de sua carreira. E também não contava ao outro filho, por temer que este acionasse a polícia, pois ele conhecia o trabalho dos “homens da lei” daquelas proximidades. Ele sabia que o genro prestaria depoimentos e depois seria liberado, pois a cidade dependia de suas criações de gado como única fonte de renda. Mark não estava aleijado da perna – embora estivesse amputada, e sim sua alma que havia se aleijado, por dar espaço ao comodismo e ao medo de agir em favor de sua própria vida e de sua família.
Certo dia ele acordou com os gritos incessantes de uma moça que morava naquelas proximidades:
- Senhor Mark, preciso lhe contar algo nada agradável. É que na noite de ontem sua filha tentou se matar com uma corda. Por sorte um dos trabalhadores de sua fazenda a encontraram no exato momento em que se enforcou, graças a Deus que deu tempo de salvá-la. Ela está internada em um hospital, mas passa bem.
Ele ficou parado. Enquanto a garota falava, seu pensamento voava. Lembrou-se de todos os bons momentos que passou antes de partir para aquela maldita guerra. Lembrou-se das noites com os amigos, do primeiro contato com sua amada esposa, lembrou-se das canções, das festas, das brigas nos bares, do pequeno colégio, até que seus pensamentos voaram em direção aos bombardeios e tiroteios. Lembrou-se da queda do império Nazista, do sorriso estridente de seu comandante, mesmo sabendo que havia perdido vários soldados, e se lembrou da notícia de sua amputação. A moça respeitou o estado de choque de Mark e partiu dali sem dar mais explicações, além de temer que o velho tivesse um ataque cardíaco. Subitamente Mark se dirigiu ao telefone e falou com um amigo, também veterano em guerra, que lhe conseguiu uma arma, uma pistola de calibre 38. Seu amigo entregou a arma sem questionar, pois ele confiava no velho Mark.
No dia seguinte soube da notícia que sua filha passava bem, então ligou para todos os filhos em caráter de urgência. Quando todos chegaram, imediatamente pediu que se assentassem e abriu um velho baú que estava guardado por muitos anos no porão. Nele haviam cartas e lembranças de um passado tenebroso, em meio as mortes, gritos agonizantes de socorro, lágrimas, desespero, e mesmo em meio à tudo isto, inexplicavelmente, também amor. Amor pelos companheiros, amor pela a causa, amor pela pátria e claro, amor próprio.
- Só podemos salvar alguém, quando estamos convictos de nossa própria segurança. - Disse o velho Mark aos filhos que o olhavam sem nada entender-. Nesta carta estão registradas as lembranças de um passado que eu tento esquecer, mas sempre que olho para mim mesmo percebo as marcas que este passado me deixou, me impossibilitando de apagá-lo definitivamente da minha memória. O que mais me impressiona é que o mal, o negativo, o absurdo, o tirano e o indesejável são inquestionavelmente respeitados, enquanto o bem, o amor, a cumplicidade e a coragem de agir em favor destes, muitas vezes são ignorados e jogados nas lixeiras de nossas almas. Eu sempre tive acesso a todo e qualquer tipo de arma de fogo, mas eu jamais pensei em colocar um fim na minha própria vida, pois mesmo aleijado, eu sabia que vocês contavam com a minha pouca renda para sobreviverem. Eu não me matei por amá-los, e por amar uma mulher que sempre me deu forças, portanto, a partir de agora, eu os matarei aqui e em seguida me matarei, pois percebi que criei filhos covardes. Criei um filho que só pensa no seu trabalho medíocre, uma filha que só serve para apanhar de seu marido e outro filho que só vive de festas e teorias inúteis na universidade. Vocês estudaram bastante, mas nada aprenderam com a escola da vida. Que Deus me perdoe!
Ele engatilhou a arma e antes que algum dos filhos resolvesse correr, disparou três tiros certeiros em suas regiões vitais. Mas eles não morreram, pois as balas eram de festim. Apenas deixaram-lhe marcas que com apenas uma semana passou, mas afixaram-se em suas almas, pois aprenderam uma grande lição com o velho Mark, que devemos sempre recomeçar, pois a covardia transforma seres de corpos vivos em seres de almas mortas.
Desde então, o filho mais velho abandonou seu trabalho de escrivão e saiu em busca de seu sonho de se tornar professor. O outro filho continuou seus estudos, mas aprendeu a viver como um homem que luta em favor de seus projetos, mas sempre estimulando os desesperançosos. Enquanto a filha largou o seu marido violento e recomeçou sua vida ao lado de seu pai em outra cidade onde pôde estudar e se ocupar com coisas úteis, já que Deus não lhe permitiu ter filhos naquele cenário de abuso em que vivia.
Mark continuou aleijado das pernas, mas sua alma havia se livrado de uma grande muleta, mesmo vivendo daquela forma, ele deu a volta por cima e conseguiu mudar o rumo da vida dos filhos, que a propósito, se tornara a sua própria vida. Então o velho pôde morrer em paz e deixar boas lembranças.
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